quinta-feira, 2 de junho de 2016

Será que podemos pensar nas nossas vivências de forma análoga aos processos físicos?


É interessante pensar nos acontecimentos da vida como se cada um deles fosse representado por uma densidade de probabilidade em Mecânica Quântica. Supondo que a função de onda que descreve cada um desses momentos seja normalizada e composta por uma superposição infinita de autoestados, cada autovalor associado a um autoestado da função de onda representa uma escolha possível para um determinado acontecimento, e isso significa que existe uma probabilidade de "realização" associada a cada um desses autovalores. Em outras palavras, cada acontecimento da vida apresenta um conjunto de conteúdo não nulo repleto de possibilidades! Quando você toma uma atitude específica, a função de onda associada a um determinado momento de sua vida foi colapsada, privilegiando apenas um autovalor de um autoestado específico, e, como cada atitude define um caráter físico concreto a essa função de onda, aquilo que não aconteceu torna-se apenas hipóteses com determinadas probabilidades de ocorrência antes do colapso. E o processo é irreversível, feliz ou infelizmente.


Essa irreversibilidade da dinâmica física está associada diretamente à termodinâmica através do conceito de entropia. Grosso modo, a entropia estuda a irreversibilidade de um sistema físico. Seu conceito mais fundamental provém da teoria de probabilidades de variáveis estocásticas, que busca saber qual a chance de, dada uma configuração inicial de um sistema, ser possível afirmar que num determinado instante de tempo o sistema retornará exatamente às suas condições iniciais. Nos processos em que isso ocorre, diz-se que o sistema é reversível e a entropia, neste caso, tem valor nulo. Nos casos reais, a entropia é sempre maior que zero, o que significa que o processo é completamente irreversível, mesmo que, probabilisticamente, haja uma chance de o sistema retornar ao seu estado inicial (diz-se que essa probabilidade existe para evolução do sistema em tempos infinitos).

Um exemplo bastante simples que retrata um caso real de irreversibilidade é o seguinte: existem duas pessoas, sendo que pelo menos uma delas tem conhecimento básico de Física, localizadas em pontos extremos de uma sala fechada, e uma delas abre um vidro de perfume Chanel Nº 5. Passado um tempo, a pessoa localizada no extremo oposto sentirá o aroma e inferirá que as moléculas do perfume se difundiram pelo ambiente, até que algumas delas penetrassem em seu nariz. Essa mesma pessoa relacionará este processo com o da expansão livre de um gás, no qual uma vez ocorrida a expansão, não se consegue mais, por compressão apenas, levar o sistema ao estado inicial sem violar a condição de que o sistema deve permanecer adiabaticamente isolado. Talvez a única forma de fazer o sistema retornar às suas condições iniciais (de temperatura, pressão, volume e posição das moléculas) seria “remover” a entropia extra criada no processo, o que exige a saída de energia do sistema na forma de calor. É claro que em casos reais, como o do perfume, o sistema não está adiabaticamente isolado e muito menos suscetível a uma compressão. E isso leva àquela pessoa na sala a considerar que houve aumento da entropia, e que esse aumento é intrínseco a sistemas físicos complexos (é possível provar matematicamente que a entropia do Universo como um todo aumenta!).

É possível relacionar esse aumento da entropia com o colapso da função de onda em Mecânica Quântica, ao pensar em eventos passados e futuros. Vamos supor que um determinado experimento já foi executado, e que associado a ele exista uma função de onda, a qual permite saber, por exemplo, a evolução espacial de uma partícula num dado tempo. Antes de haver o colapso da função de onda, ou seja, antes de um observador ir até o experimento e detectar a posição da partícula, havia inúmeras probabilidades dessa partícula ser localizada em todos os pontos do espaço no qual ela está confinada, supondo que não haja posição preferencial em que a densidade de probabilidade para a localização da partícula seja maior em determinada região que em outras (isso pode ser visto, por exemplo, em uma caixa quadrada e homogênea). Esse instante, conhecido como estado inicial do sistema, está referido ao passado do experimento. O instante posterior ao colapso da função de onda (descoberta da posição da partícula) é o que denomino de instante futuro. Da transição entre esses dois instantes de “momento temporal” (de passado para futuro), a entropia do sistema aumentou, mas não com a evolução do tempo contínuo, mas sim com a ação do observador em descobrir a posição da partícula na caixa! E esse processo é irreversível! E com essa descoberta, ou melhor, com a solução da equação de Schroedinger que descreve esse processo dadas as condições iniciais, o observador possui em mãos uma ferramenta que permite descrever a evolução espacial da partícula no tempo com apenas um autovetor associado a essa função de onda.


Um experimento que ilustra o que eu disse é o da dupla fenda. Esse experimento consiste num elétron que será lançado entre duas fendas e, ao atravessar uma delas, ele colidirá com uma placa-detector, localizada atrás das fendas. Este experimento é muito interessante porque ele mostra o caráter dual do elétron, ou seja, seu comportamento onda-partícula. Meu intuito não é provar que o elétron tem esse comportamento, mas, sabendo-se disso, mostrar o comportamento do sistema antes e depois do elétron atravessar a fenda. Antes de o elétron ser lançado, havia 50% de chance dele passar por uma das fendas, logo, havia uma função de onda composta por dois autoestados e, associado a eles, dois autovalores, com probabilidades iguais de transição para o elétron. Ao se chocar com a placa, o elétron define sua posição e, portanto, a função de onda que descrevia sua posição está colapsada. Da mesma forma, se um observador ficar acompanhando o experimento, a função de onda estará colapsada antes do elétron atravessar a fenda! Ou seja, sua função de onda que apresentava estado de superposição cai para o estado definido por apenas um autoestado e, portanto, um autovalor de módulo unitário. O interessante é que, para inúmeros lançamentos sem que o observador esteja monitorando o experimento, o padrão observado na placa é aquilo que se espera para interação entre ondas, nos casos de superposição e aniquilação.

Dessa forma, parece ser razoável atribuir um aumento da entropia do sistema ao colapso da função de onda de uma partícula, e isso mostra que o processo é irreversível, ou seja, a seta da evolução do experimento aponta apenas para uma direção nos casos de detecção de variáveis físicas de um experimento em Mecânica Quântica (detecções restritas ao princípio de incerteza de Heisenber).

Os acontecimentos da vida cotidiana parecem seguir a mesma lógica dos sistemas físicos abertos. Muitas vezes, uma decisão acarreta em diversas possibilidades de ação. Por isso, é realmente muito importante pensar com cuidado nas atitudes que se toma frente a determinadas situações, justamente porque geralmente o processo é irreversível e, assim, arrepender-se não é uma opção. Viver cada momento de forma única faz dele um desafio em que a física busca dar sentido às ações, mas que muitas vezes não conseguimos prever o que irá acontecer. Talvez seja realmente mais fácil agir pela emoção. Talvez.