quinta-feira, 14 de outubro de 2021

A vergonha da educação básica brasileira

 

Um país que mal consegue formar licenciados e licenciadas em Física para atuar como professores no Ensino Médio (EM) terá uma Matriz Curricular em que esta disciplina, bem como Biologia, Química, Sociologia, História, Geografia e outras, NÃO serão obrigatórias no terceiro ano do Ensino Médio. Aliás, a grade horária delas será ainda mais ridícula, paupérrima. São disciplinas consideradas "muletas", em detrimento de outras como Português e Matemática.
 
Se o Brasil não consegue FORMAR pessoas no EM com uma BASE intelectual científica minimamente satisfatória, como poderemos sonhar com um país desenvolvido tecnologicamente? Como poderemos sonhar com competitividade em relação às grades potências? Como poderemos sonhar em combater epidemias com a mesma agilidade e qualidade de outros países? Como poderemos sonhar em ter um programa espacial minimamente funcional? Como convenceremos as pessoas de que a seca no sudeste se deve em boa parte pelo desmatamento da Amazônia e das matas ciliares locais? Como garantiremos que nossos gestores tenham a mínima capacidade intelectual de entender essas questões? As respostas a essas perguntas garantem a nossa SOBERANIA enquanto país. 
 
A ênfase da nova grade curricular foca nas disciplinas de língua portuguesa e matemática. E sabe por que isso? Porque quem a propôs acha que vai resolver os gravíssimos problemas de analfabetismo funcional e da péssima qualidade do ensino de matemática do ENSINO FUNDAMENTAL no EM. Obviamente, isto NÃO acontecerá. Aliás, não há nem sinais de que isto poderia acontecer, nem da forma como está agora. Não é nada incomum encontrarmos pessoas que ingressam na 1º série do EM sem saber fazer operações de DIVISÃO. Muitos alunos nem sequer leram UM livro inteiro antes do EM. Muitos nem terão lido um inteiro após o EM.
 
Sem uma formação básica e de qualidade no Ensino Fundamental, como poderemos esperar que os alunos tenham capacidade crítica para discutir temas no EM que os desafiem intelectualmente, como História e Filosofia? Imagine discutir Iluminismo, As revoluções Industriais, A Inconfidência Mineira, Kant, Marx, Adam Smith, Educação Sexual, dentre MUITOS outras questões e autores fantásticos e complicados? Como esse aluno conseguirá resolver um problema de lançamento oblíquo, se ele não consegue associar S =So + VoT +at²/2 com y = ax²+bx+c?
 
Basta ver a quantidade de pessoas que saem do Ensino Médio extremamente mal formadas. Isto explica, por exemplo, a altíssima taxa de reprovação e de evasão de alunos de cursos como Física, Matemática e Engenharias, particularmente nos primeiros semestres. Essas áreas requerem um mínimo de domínio da matemática para poder aprofundar tópicos que são, de fato, muito complexos. É importante ressaltar que nós, em geral, saímos do EM sem termos disciplina de estudos, sem conseguirmos nos organizar efetivamente para estudar! Sim, eu quero dizer que, muitas vezes, as pessoas saem do EM sem saber como ESTUDAR. Não é simplesmente sentar e ler um texto. Há diferentes técnicas que funcionam para diferentes pessoas. Eu sei porque eu vivi isso tanto como aluno, com todas as minhas dificuldades particulares, quanto como monitor de disciplinas da graduação. 
 
A situação da forma como está e, claro, como será com a nova matriz curricular só nos traz ainda mais preocupações e receios com relação à formação básica dos alunos brasileiros. Tudo leva a crer que o que ocorre hoje é um projeto de desmonte e precarização da educação básica E superior que ocorre deliberadamente. Cortes e transferência de recursos das pastas da Ciência e da Educação só reforçam este ponto: há um projeto de empobrecimento intelectual massivo da população brasileira. E, claro, com governantes medíocres intelectualmente fica difícil esperar o contrário. 
 
Portanto, gostaria de reforçar minha indignação em relação à baixíssima qualidade da nova matriz curricular. Infelizmente, tudo que ultimamente é descrito como "novo" neste país tem qualidade extremamente duvidosa. Reforço também que TODAS as áreas hoje necessitam da tecnologia para se desenvolver, desde a agropecuária até áreas mais óbvias, como a aeronáutica. E para que isto aconteça, os alunos brasileiros (de forma geral, a população brasileira) PRECISA ter capacidades e ferramentas intelectuais para tomar decisões críticas, racionais e sem apelo emocional. Nosso país será OUTRO (e, garanto, muito melhor) quando focarmos em Educação básica e superior de altíssima qualidade e ciência voltada ao bem estar social.
 

 

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Tese depositada: o sonho está próximo!

  

Como está claro como água no título desta postagem, SIM, depositei minha tese de doutorado!!! E já tenho até uma data para a defesa: dia 15 de setembro de 2021! O processo de escrita do trabalho foi mais difícil e lento do que eu previa, muito provavelmente devido ao medo de contrair COVID e também por todas as incertezas envolvidas nas análises dos dados. Parafraseando Feynman, no doutorado, as questões que nós abordamos não têm respostas imediatas ou diretas, afinal estamos na fronteira do conhecimento. E isso é particularmente verdade para a dinâmica de aerossóis atmosféricos em regiões como as da Amazônia Central, que são especiais por uma série de motivos, mas principalmente por ser a maior floresta tropical do mundo, que regula o regime de chuvas em boa parte do Brasil e de países fronteiriços.

Enfim, não é segredo para ninguém que meu sonho sempre foi conseguir cumprir o ciclo completo da vida de um Físico em formação: graduação, mestrado e doutorado. Foram muitos e muitos planos ao longo dos últimos 10 anos e meio. Na verdade, faz mais tempo: decidi que seria Físico quando eu estava na 8ª série (hoje, 9º ano) do ensino fundamental. Antes, queria ser astrônomo, mas acabei decidindo e focando na carreira de físico, e nunca mais pensei em outra coisa. E cá estou eu, 6 anos após me tornar bacharel em Física pela UFSCar, 4 anos após me tornar mestre em Física Aplicada pela USP de São Carlos, próximo à minha defesa de doutorado, na USP de São Paulo, com doutorado sanduíche no Max Planck Institut für Chemie. O sentimento, no momento, é de certa ansiedade para a defesa, pois sei que haverá muitas coisas a serem corrigidas no texto original da tese, mas principalmente, de gratidão a muitas e muitas pessoas (família, minha companheira incrível, amigos e colegas de trabalho) que foram o esteio para este momento.

 Eu não poderia deixar passar batido um momento tão especial para mim, e que reforça ainda mais o texto que escrevi em setembro de 2017: Mudança... ah! sua maldita e, ao mesmo tempo, maravilhosa necessidade! Sim, eu mudei. De cidade e de área de estudo. E a mudança não foi sentida apenas nesses âmbitos. Como pessoa, profissional e cientista, sou certamente muito diferente. Os ventos da mudança me direcionaram para um rumo que jamais imaginaria. Novamente, o sentimento é o de gratidão. Ah, gostaria de dizer que escrevi minha tese em inglês. Quem me conhece sabe que este foi um desafio enorme na minha vida. Pois é, quem diria que aquele "Marco Aurélio" que antes tinha tanta dificuldade com a língua fosse ser capaz de, não apenas se comunicar com tranquilidade, mas de escrever uma tese de doutorado no idioma. Não há vitória sem muita luta.

 Título de minha tese de doutorado: Vertical transport, growth processes, and aerosol
characterization in Amazonia

Data: 15/09/2021, às 14h (tempo local em São Paulo).

A defesa será online. 

Abaixo uma foto da torre ATTO, na Amazônia Central, local onde os dados do meu trabalho foram coletados, que eu tirei em uma de minhas idas ao sítio.


 

domingo, 11 de abril de 2021

Tutorial simples e direto para fotografar o céu noturno com seu smartphone

 

Figura 1: fotografia noturna obtida com um smartphone em uma região urbana, em que é possível observar diversos aglomerados estelares. Em destaque: M7 e a constelação de Sagitário.

Será possível obter uma boa foto do céu noturno sem equipamentos fotográficos caros e complicados? Ou, talvez, será que é possível uma boa foto da Via Láctea apenas utilizando o seu smartphone? Apesar de tudo levar a crer que não, a resposta é SIM, é possível. Dá para se divertir muito com esta atividade! E neste artigo me proponho a explicar uma técnica simples que te possibilitará extrair muito mais de sua câmera do que apenas selfies! Além disso, certamente você passará a enxergar o céu com outra perspectiva. Este é um tema já discutido em diversas outras páginas da internet, até mesmo de forma muito mais profissional, mas que merece ser sempre revisitado, já que, com as mais recentes melhorias dos sensores das câmeras dos smartphones, muitas vezes nosso conhecimento fica defasado e não exploramos todo o potencial dos nossos aparelhos. Sabe aquela opção PRO que aparece como uma das abas de sua câmera do celular e você nunca mexeu por talvez achá-la complicada demais? É exatamente de funções que ela apresenta que nós vamos tratar!

Requisitos básicos para uma fotografia de céu noturno

Neste artigo, utilizo como exemplo meu smartphone, um Xiaomi Mi 9 pro, cujas configurações da aba Pro da câmera são, em geral, comuns à grande maioria dos smartphones disponíveis no mercado. Não quero ser um "Testemunha de Xiaomi" neste texto, mas é necessário ressaltar que os aparelhos desta marca tem sido amplamente utilizados para fotografia de céu noturno, talvez por conta de seu ótimo programa de Inteligência Artificial (IA) ou, principalmente, da notória sensibilidade de seus sensores para baixa quantidade de luz. Veja aqui e aqui alguns exemplos de fotografias de céu noturno com os aparelhos da Xiaomi. Dito isto, vamos começar.

Abaixo, na Figura 2, mostro uma captura da tela do meu aparelho, em que apresento as funções que minha aba Pro me possibilita. Dentre elas, nós vamos dar maior ênfase em três: FOCO, EXPOSIÇÃO e ISO, circulados de branco na imagem. Em geral, a função do tempo de exposição vem com o nome Exp, E ou S. Certamente há outras variantes, mas no momento só me lembro dessas... Se você souber de outras, por favor, deixe nos comentários que eu atualizo o texto. É necessário que seu smartphone disponibilize ajustes com essas três funções.

Figura 2: funções da aba Pro da câmera do meu smartphone, com destaque para as principais funções utilizadas em fotografias de céu noturno: FOCO, EXPOSIÇÃO e ISO.

Com relação ao foco, eu não me aprofundarei tanto e serei mais direto, pois o que nós temos que ter em mente é que os objetos que serão fotografados encontram-se MUITO distantes de nós. Isso significa que queremos focar em algo que está no "infinito", portanto, eu recomendo que você ajuste seu foco para o máximo que puder. Muitas câmeras tem a opção de foco máximo com o símbolo do infinito, $\infty$, outras com o símbolo de uma montanha (meu caso). Novamente, as variantes são diversas. Uma alternativa que funciona muito bem para mim é manter o foco no modo automático, em que eu toco na tela da câmera quando vejo um sinal de alguma estrela e o ajuste é corrigido. A partir daqui, a qualidade da sua imagem dependerá dos dois principais fatores para fotografias em ambientes de baixa luminosidade: o equilíbrio muitas vezes sutil entre tempo de exposição e ISO. Mas o que são esses parâmetros? Como ajustá-los?

Exposição e ISO

Eu penso que a melhor forma de explicar estes dois conceitos fundamentais em fotografias de céu noturno é através de exemplos práticos. Inicio a discussão deste tópico com a ideia por trás da função "Exposição". As câmeras, em uma analogia bastante rústica, funcionam como os olhos. Elas são sensores que, ao interagirem com a luz, transmitem impulsos elétricos para uma central que os organiza de forma coerente. Entretanto, com os olhos, nós não temos tanto controle com relação à quantidade de luz que ele absorve ao longo do tempo para dar mais definição a objetos de brilho muito fraco. Já percebeu que as fotos de céu noturno sempre mostram muito mais objetos do que conseguimos enxergar a olho nú? Isto acontece porque nós podemos controlar o tempo que o sensor ficará exposto e recebendo fótons dos objetos, o que permite com que coisas de brilho muito fraco sejam, de fato, detectadas. Faça um teste: se olharmos para o céu, sem piscar, pelo tempo que for (supondo que sua pupila já esteja adequada à iluminação ambiente), nós não conseguiremos enxergar mais do que 2 ou 3 mil estrelas em um local sem poluição luminosa. Entretanto, se você mudar o tempo de exposição (ou, especificamente, a velocidade do obturador) que o sensor de uma câmera ficará exposto ao céu, certamente você verá muito mais estrelas. 

A grande vantagem da função Pró da câmera é que você pode controlar exatamente quanto tempo de luz você quer captar, e isto depende do objeto que você quer fotografar e das condições de iluminação do ambiente em que você se encontra ao fotografá-lo. Talvez a maior frustração de um iniciante na astrofotografia seja o fato de que quando ele aponta a câmera para o céu e clica para captar a imagem, o resultado, na grande maioria das vezes, é um borrão preto. No máximo, surgem alguns pontinhos bastante indefinidos, os quais podem ser tanto ruído do sensor quanto, de fato, algum objeto celeste. Isto acontece porque a câmera não tem sensibilidade suficiente (relacionada ao ISO) e/ou não ficou tempo suficiente captando a luz do objeto que se quer fotografar. E é esta a tarefa dos ajustes de exposição: captar luz suficiente para mostrar com detalhes um determinado objeto de brilho fraco.

 A imagem abaixo é composta por três fotos de uma mesma região do céu, sem nenhum tratamento, em que nós fixamos o ISO em 1600 e variamos apenas o tempo de exposição. Estas fotos foram obtidas com o único objetivo de apresentar contrastes didáticos na variabilidade dos parâmetros. Para melhores fotos do céu noturno, maior cuidado seria necessário. A diferença entre os frames é evidente: maior tempo de exposição significa maior quantidade de luz que sensibilizou o sensor da câmera, o que significa, portanto, maior brilho e definição na imagem. Você pode se perguntar, portanto: certo, mas se eu mantiver a exposição prolongada por tempo indefinido, eu terei uma imagem com muito mais qualidade e mais objetos celestes visíveis? Não necessariamente. Se o seu objetivo é ter uma imagem nítida do céu, em que as estrelas se pareçam com pontos e não com rastros, então deve-se levar em consideração que, apesar de praticamente imperceptível, o planeta Terra rotaciona... Como um dia tem 24h, ou seja, representando uma volta de 360°, isso significa que a cada 1 segundo, o planeta gira, aproximadamente, 0,004°. Portanto, 30s representam, aproximadamente, 0,125°, o que é suficiente para perceber claramente o efeito da rotação em uma fotografia. Na imagem abaixo, esse efeito foi compensado pela IA do smartphone. Mas isso não acontece sempre. É muito comum obter esses rastros. Fotografias noturnas incríveis podem ser feitas utilizando-se da técnica de longas exposições, em que alguns exemplos são vistos aqui. Mas como talvez este não seja o seu interesse neste momento, recomendo sempre levar esta questão em consideração: verifique suas fotos para certificar-se de que não há rastros.

Figura 3: exemplos de imagens de uma mesma região do céu, com a presença clara da constelação do escorpião, em que o ISO da câmera foi mantido fixo em 1600 e variou-se o tempo de exposição.

Outra questão importante é a poluição luminosa do ambiente em que você fotografa o céu. Infelizmente, este é um problema sério que atinge quase toda a população do planeta cujo resultado é o desaparecimento do céu noturno. Obviamente, eu não sou contra iluminação urbana noturna. Mas você que mora em uma cidade grande, quantas vezes saiu para a varanda/sacada/área externa para apreciar o céu (não apenas a Lua, mas identificar constelações e outros objetos celestes)? Se você deixar o sensor da câmera exposto tempo demais em um ambiente com elevada poluição luminosa, o resultado será um borrão branco, ou uma imagem muito carregada de tons claros/avermelhados. Muitas vezes, softwares de edição de fotos ajudam a compensar este problema, mas em geral eles não fazem milagres. Portanto, a escolha de um local com baixa poluição luminosa é importante para a obtenção de melhores resultados. Apesar de antigo e com efemérides desatualizadas, este site aqui me conquistou há muitos anos, em particular, pelo trabalho primoroso do prof. Silvestre buscando a preservação do céu noturno na região de Uberlândia - MG. Recomendo muito a leitura dos diversos textos lá para entender melhor a causa da luta contra a poluição luminosa. Em particular, há muitos textos a respeito da relação entre poluição luminosa e seus impactos no ecossistema e, para os mais egoístas, no seu próprio bolso. A qualidade do céu noturno em sua região pode ser obtida comparativamente através deste endereço aqui. Perceba a dificuldade em encontrar uma região verdadeiramente livre de poluição luminosa. Veja, por exemplo, as regiões em que se encontram os principais observatórios astronômicos do mundo, como no deserto do Atacama.

Com a questão do tempo de exposição definida, nós podemos avançar para entender o que é o ISO. De forma geral, os ajustes de ISO significam ajustes de sensibilidade do sensor da câmera. Quanto maior o ISO, mais sensível a câmera se torna à iluminação externa. Em geral, o ISO varia de 100 a 3200, podendo ir além destes valores nas câmeras CCD profissionais. A Figura 4 apresenta um exemplo comparativo, em que foi mantido o tempo de exposição fixo em 15s e variou-se o ISO. Perceba que a imagem com ISO de 400 apresenta muito menos detalhes que a com ISO de 1600. E no caso do exemplo mostrado, nós escolhemos um tempo relativamente longo de exposição para deixar claro que, mesmo nestas condições, se o sensor da câmera não tiver sensibilidade suficiente, não adianta muita coisa. Uma pergunta comum que surge neste momento é: então, se eu tiver ISO alto e exposição baixa, eu posso conseguir também enxergar estrelas com mais definição? Sim, é possível. Entretanto, ISO alto significa, como comentado, alta sensibilidade da câmera, mas isto reflete diretamente na quantidade de ruídos produzidos pelo sensor. Logo, quanto maior o ISO, maior a quantidade de ruídos na sua imagem. E tem mais um detalhe: os sensores das câmeras são sensíveis também a temperatura ambiente. Quanto mais quente, maior a probabilidade de obter ruídos. Fotografias diurnas são, como você já deve ter percebido, obtidas em condições de ISO baixo. Entretanto, há diversas fotos diurnas em que o ISO é relativamente baixo, mas com tempos de exposição longos. Um exemplo direto são fotos de cachoeiras, que podem ser vistos aqui. Para fotografar o céu noturno, em geral, são utilizados valores de ISO acima de 800 e tempos de exposição pelo menos acima de 5s.

Neste momento fica clara a necessidade de se testar várias combinações de ISO e de tempos de exposição para encontrar a melhor relação sinal/ruído para sua imagem. Não tem segredo. Tem que testar, testar e testar... Uma vez encontrados os parâmetros que mais te satisfaçam, não se engane. Eles nem sempre serão os melhores para outros ambientes em que você fotografará o céu noturno, nem mesmo para diferentes smartphones, afinal, não necessariamente eles terão os mesmos sensores fotográficos. Nem mesmo um sensor de uma mesma marca terá a mesma sensibilidade. Novamente, um pouco de teste será necessário. Mas te garanto: com o tempo e prática, isto será feito rapidamente!

Figura 4: dois exemplos de fotografia da mesma região do céu, com tempo de exposição fixo em 15s e ISO diferente.

Devo processar digitalmente minha imagem para obter uma boa foto?

Em geral, sim. O processamento da imagem é fundamental para garantir uma boa foto. Há diversas correções e melhorias que podem ser feitas e que certamente proverão imagens muito mais detalhadas e bonitas. E isto é feito através de softwares e aplicativos específicos. Na astrofotografia, talvez o mais utilizado seja o Adobe Lightroom. Infelizmente, o aplicativo é pago para ser utilizado no computador, mas para smartphones você pode utilizá-lo livremente. Com ele, pode-se corrigir diversos parâmetros de sua imagem, como exposição, sombras, contraste, pretos, brancos... e por aí vai. Não explicarei os detalhes aqui, mas recomendo que você baixe o app e tire um tempo para explorá-lo. Além disso, há diversos vídeos na internet com o propósito de explicar como ele pode ser utilizado para astrofotografia. Veja aqui um exemplo. Mostro na Figura 5 uma comparação utilizando a imagem do centro da Figura 3, com ISO 1600 e 15s de exposição. Julgue por si se vale ou não a pena utilizar este recurso.

 

Figura 5: imagem processada pelo Adobe Lightroom da fotografia obtida com 15s de tempo de exposição e ISO 1600.

Vamos direto ao ponto: o que eu faço na prática?

Como eu já fotografo há algum tempo com meu smartphone, eu já sei que, nas condições urbanas em que frequentemente estou, geralmente no interior de MG, o ISO em 1600 e exposição de 15s são suficientes para me retornar imagens satisfatórias. Após o ajuste de foco, faço vários testes para ver se os objetos que eu pretendo fotografar encontram-se enquadrados na tela. Em geral, com a câmera do celular, eu não avanço para o nível de fotografar várias vezes um mesmo objeto e somar as imagens com o Deep Sky Stacker. Isto eu faço com as astrofotografias que produzo com minha câmera DLSR com ou sem telescópio. Na verdade, vou tomar isto como um exercício também para mim. Afinal, ainda há muito o que aprender e aperfeiçoar na técnica de fotografias de céu noturno com smartphones. Dá para ir muito além. Por fim, com as fotos produzidas pelo smartphone, eu as importo para o aplicativo da Adobe Lightroom, onde ajusto detalhes da imagem. Quando eu mudo de ambiente, seja para locais com maior poluição luminosa, como a cidade de São Paulo, ou para o sítio, onde o céu é absolutamente fantástico, eu sempre testo variações de ISO e exposições até encontrar uma combinação que me satisfaça. Gostaria de aproveitar a oportunidade e fazer uma divulgação da minha galeria de astrofotografias, da Astrobin: https://www.astrobin.com/users/marcomac27/ .

Só mais uma coisa: recomendo o uso do software Stellarium para identificação dos objetos que você fotografou. Faça este exercício, compare suas fotos com o céu mostrado pelo software, e veja se você é capaz de identificar as diferentes constelações e as estrelas que as compõem! Quem sabe você identifica que, ao invés de uma estrela, aquele ponto brilhante é um... planeta! Infelizmente, neste momento de pandemia em que somos privados de nos socializarmos com nossos amigos e familiares por questão de segurança, a exploração do céu noturno, mesmo através do das fotos de seu celular e da identificação de objetos celestes, pode ser uma companhia agradável a você como é para mim. Façam seus testes, suas fotos e me coloco à disposição para tirar dúvidas e ajudar com sua evolução na técnica.

Céus limpos a todos e divirtam-se!



sábado, 27 de março de 2021

Pandemia - um desabafo

Escrevo estas singelas linhas após 3 anos para dizer que MUITA coisa aconteceu até aqui em minha vida. Que loucura. Neste meio tempo, realizei talvez um dos maiores sonhos da minha vida: doutorado sanduíche no Instituto Max Planck de Química de Mainz, Alemanha. Lá trabalhei de Outubro de 2019 a Outubro de 2020. Ainda pretendo fazer alguma publicação a este respeito. Mas, durante o sanduíche, uma desgraça aconteceu: uma pandemia a nível global foi deflagrada. Já estamos no ano 1 da pandemia. Mesmo enquanto eu estive na Alemanha, as coisas estavam confusas e complicadas. Eu precisei fazer quarentena com meus amigos de apartamento. Infelizmente, um deles contraiu o vírus LOGO NO INÍCIO DA PANDEMIA. Imagine o desespero... mas nem eu nem meu outro amigo fomos infectados. Claro, nós tomamos cuidados absurdos, em um nível que eu nunca imaginei que fosse chegar. Usávamos máscaras N95 dentro de casa e limpávamos o flat 2 vezes ao dia com água sanitária e álcool. Foram dias terríveis. Naquele momento, março de 2020, ainda não sabíamos muito sobre o vírus. Hoje sabemos. Hoje temos inclusive algumas novas cepas circulando pela população. E pior, o Brasil tem a sua própria, ainda mais mortífera e contagiosa que a original. Isto, claro, fruto da deliberada sede de morte do governo federal. Que fez o mínimo e nem de perto o suficiente para conter a propagação da doença. Aliás, incentivou aglomerações e o retorno a uma normalidade há muito inexistente. Hoje decidi escrever esta memória aqui. Pois, se lá em 2018 sobravam esperanças de um futuro muito melhor, do qual muita coisa boa de fato eu usufruí, agora em março de 2021 falta o ânimo. Sobra o medo. E veja só, se antes a minha motivação era desenvolver um doutorado com tranquilidade e gerando sempre bons resultados e boas publicações, hoje a preocupação é terminá-lo ainda em vida. Neste momento, estou trabalhando 24h em um artigo que está em fase de revisão dos coautores e na estrutura/escrita de minha tese. Tenho a esperança de me doutorar até o meio do ano. Aliás, fui inclusive convidado pelos professores do curso de Introdução à Física Atmosférica a ser monitor da disciplina. Confesso que poucas vezes me senti tão feliz e honrado com um convite. Espero que eu consiga cumprir o que planejei para os próximos 3 meses. Se eu não conseguir ao menos isso, espero que vivo eu continue. E desejo o mesmo para todos. Só educação muda. Só ciência salva. Vacina já.